26.7.05

a verdade e as verdades

Um problema muito humano, natural, e que sugere extrema discussão é a questão da verdade. Afinal, o que é a verdade? Existe alguma verdade? Estamos apenas rodeados de pequenas verdades, pequenas e particulares para cada pessoa? Afinal o que norteia as nossas acções?

É um tema interessante. De um lado, dizem uns que a verdade é única e apenas uma. É una com o Uno, tudo contém e com tudo se relaciona, é o nada e o tudo, e preenche tudo aquilo que nos rodeia. Portanto, o que é bom, aquilo que deve guiar as nossas acções, deverá ser a defesa e a instauração dessa verdade, universal e terminantemente válida. A filosofia taoísta concorda com esta visão. Se perguntássemos a um budista, porém, ele diria que não existe nenhuma verdade no mundo. Ou seja, a única verdade acerca do mundo, do universo, é que não existe nenhuma verdade especial: o mundo é como é e nós só temos que o ver tal e qual aquilo que ele é. Cristãos diriam: a verdade é a verdade de Deus. Muçulmanos contra-atacariam: é a vontade divina de Allah. Espiritistas poderiam dizer que a verdade é aquilo que ilumina o espírito. Hinduístas, que a verdade é a libertação do ciclo do eterno sofrimento a que estamos votados. Xintoístas, confucionistas, maniqueístas, mazdeístas, xamanistas, druidas, wiccans, ... cada qual iria expôr a sua crença, a sua fé, o seu achar. A verdade é uma e perfeita em si mesma.

Mas isto falando no plano da religião. Se perguntássemos a filósofos, as opiniões divergem. Ora para uns é absoluta, ora para outros é relativa. "Existem tantas verdades quantos os homens", poderiam argumentar alguns. Esses podem achar que não existe qualquer perfeita verdade, que é o homem que constrói a própria ideia de verdade e, logo, esta será relativa consoante as coordenadas históricas, sociais, culturais, filosóficas, pessoais e outras que tais. Tudo é relativo (como diria Einstein), e portanto não podemos afirmar que a verdade é una e absoluta, mas antes relativa e fragmentada, que toma vários rostos consoante os propósitos dos homens.

Como superar este conflito? Tarefa difícil, esta, de conciliar dois opostos extremados. Mas, se repararmos bem, descobrimos que ambas as posições estão certas. E ambas as posições estão erradas. Por um lado podemos notar que cada pessoa tem as suas verdades, ou seja, aquilo que para elas é verdade. Numa dada situação específica, inserido num determinado contexto específico, a solução será esta e não aquela, de modo a que a solução se encaixe perfeitamente na resolução do problema ou que oriente a conduta humana numa dada situação. Porém, isso será num contexto, ou seja, no domínio do relativo. Quando vemos toda a história humana percorrer-nos os olhos podemos notar que as descobertas e revoluções no pensamento humano - com tradução no plano físico ou pela execução de notáveis obras, sejam conceptuais, sejam artísticas - sempre caminharam para uma evolução e aperfeiçoamento. Ou seja, mesmo considerando todas as pequenas verdades que cada pessoa buscou em cada momento da história, e que eram particulares para si, o todo, no sentido de humanidade, caminhou para a evolução. É até um aspecto inato, como Darwin nos mostrou ao nível físico. Mas também apresenta a sua correlação com o domínio do não-físico, acrescento. A história da filosofia pode atestar esta posição (por exemplo, a tríade hegeliana). Portanto, se a evolução faz parte da verdade, então, se é inevitável caminharmos para a evolução, seja a evolução uma das faces da verdade - se não mesmo ela própria. É difícil expressar temas destes por palavras!

Assim, todas as pequenas verdades pessoais podem estar contidas numa grande verdade global isto é, podem não ser mais que facetas da mesma verdade. O que significa que ambos os aspectos são complementares e não apenas opostos. Ambas as posições estão erradas porque cada uma delas se distancia da outra, não permitindo a sua compreensão mais alargada. Ambas estão certas porque cada uma delas promove um certo aspecto daquilo que aqui chamarei de verdade, seja ela a busca da dita "verdade", quer exista ou não.

O universo é algo bastante complexo e, ao mesmo tempo, bastante simples. Simples até demais para a nossa compreensão. Não vejo qualquer contradição entre as duas posições que expliquei acima; aliás, acredito que ambas demonstram a complexidade dos nossos pensamentos e ambas demonstram também a falta de simplicidade destes. A nossa mente tem a tendência para dividir e retalhar assuntos complexos, as coisas que não consegue compreender directamente. No fundo, acho que isso é apenas uma limitação da nossa mente e que pode ser facilmente descartada se evitarmos pensar demasiado e procurar mais a essência das coisas. Talvez estas duas posições não sejam nada e a verdade seja antes cada posição em simultâneo e ambas fundidas em si. Talvez a verdade seja realmente simples e as palavras que usamos para descrever essa coisa que vemos (que é só uma) é que insistem em complicar o esquema. Mas enfim, nós vamos tentando.
Afinal, somos apenas humanos...