sentidos e sensações
aproveito esta oportunidade para escrever exactamente sobre este meio fantástico de comunicação que é a internet. De certeza que todos já ouviram "ah... mas tu andas naquelas coisas de conversa pela internet?... eu não preciso de nada disso, eu prefiro é falar com as pessoas cara a cara, não preciso da internet para me esconder do mundo, não tenho nada a esconder...". Pois é... então vamos lá analisar o que é que esta afirmação põe em causa.
o que é uma conversação na internet? duas pessoas que se encontram, conhecendo-se previamente ou não, e que começam a conversar. Isto é, temos duas pessoas que estabelecem contacto através dum meio que priveligia a escrita, que é o veículo de comunicação utilizado. Analisemos qual a natureza das interacções que se estabelecem entre estas duas pessoas.
Tanto quanto sabemos, possuímos sentidos, que identificamos como sendo cinco. Estes sentidos estão relacionados com o nosso corpo físico, e as zonas que nos permitem sentir algo estão relacionadas com receptores nervosos em conexão com o nosso encéfalo. Paladar, tacto, olfacto, audição e visão. Numa conversação na internet qual ou quais destes sentidos são prevalentes? Bem, se pensarmos bem, depressa chegamos a uma conclusão impressionante: nenhum deles! Nenhum dos sentidos é utilizado em toda a sua plenitude - na verdade, normalmente, apenas a visão é que pode estar a ser estimulada. Mas os estímulos que a nossa visão recebe a partir de uma conversa na internet são de qualidade muito inferior aos estímulos que esta recebe quando estamos a falar com alguém ao vivo e a cores. Ou seja, no que toca às interacções que se estabelecem entre as duas pessoas na conversa, a visão apenas é útil na medida em que nos permite saber quais foram as palavras utilizadas pela outra pessoa para se exprimir. Casos há em que se pode ouvir, é certo, bem como ver, de facto, a pessoa com quem se fala, mas esses elementos já escapam a esta linha de raciocínio, pois aproximam a conversação na internet a uma conversação real. Analisemos então as características de uma conversação na internet em que apenas a visão é estimulada pelas palavras que são escritas pela outra pessoa.
Se é apenas a visão que está a ser mais utilizada numa conversação na internet, então devemos concluir que as interacções estabelecidas são de muito menor riqueza, relativamente àquelas que poderiam advir dos outros sentidos. Mas será que isto impede a criação de fortes e intensos laços interpessoais? Penso que não, senão vejamos...
visto que são as palavras o meio de comunicação por excelência numa conversação na internet, e que a estas estão associadas representações mentais/intelectuais, ideias e conceitos, então o plano em que uma conversa decorre poder-se-á designar mental ou conceptual. Estamos, portanto, a admitir a existência de um outro "sentido" humano: uma dimensão mental/conceptual (caso contrário não seria possível percepcionar aquilo que é inscrito em palavras). E visto que esta é a dimensão mais trabalhada do discurso, ele move-se no terreno da denotação e conotação que estão associadas às palavras que empregamos ao comunicarmos. Ora, o único exemplo que me ocorre de uma comunicação deste tipo (em tempo real, claro) é um diálogo de Platão, que se move precisamente no mesmo plano mental/intelectual. Se, de facto, a conversa é baseada em palavras/conceitos (excluem-se aqui as "pseudo-conversas") que possuem significado, então grande é a semelhança (conceptual) entre um diálogo de Platão, filosófico e que usa de conceitos, com uma conversação deste tipo.
Mas nós também somos capazes de identificar que aquilo que sentimos não reside apenas nos cinco sentidos que foram referidos. Também somos capazes de identificar sentimentos (sentires ou sensações) que surgem no interior de nós próprios (e que apesar de poderem surgir como resultado de estímulos exteriores, é ainda certo que podem surgir como resultado de outros estímulos interiores - a reflexão acerca de um conceito). Estes chamados estados de espírito caracterizam-nos, e, de acordo com o que temos consciência deles, são extremamente mutáveis e múltiplos. Assim, é fácil perceber que, para além das sensações provenientes dos cinco sentidos, existem outras sensações nascidas dentro de nós e que podem ser resultado de uma interacção comunicante entre duas pessoas.
Mas voltando ao tema inicial, qual a diferença entre interacções interpessoais estabelecidas ao vivo e pela internet? Ora, ao vivo, para além das sensações que nos são interiores, também temos consciência das sensações que nos chegam por via dos cinco sentidos apresentados. No caso de uma conversa na internet, as sensações que chegam pelos cinco sentidos que tanto utilizamos são de qualidade e quantidade inferior, pelo que, mais prevalentes que estas, as sensações interiores dominam. Sendo as sensações interiores, por natureza, mais subtis, subjectivas, intuitivas e mentais, então é possível concluir que a qualidade das interacções que se estabelece é de ordem mais pessoal, mental e conceptual. Dando-se prevalência ao interior, está-se liberto da capa de aparência que nos reveste exteriormente, potenciando-se o estabelecimento de interacções muito mais pessoais. E, por esta razão, sendo o intelecto de alguém que está mais exposto, apenas se pode apontar como superior uma conversa na internet relativamente a qualquer outra conversa no que toca ao nível das sensações interiores aos sujeitos.
Mas se assim o é, certo é também que uma conversa cara-a-cara é muito mais rica, em termos da globalidade de sensações que se podem ter a partir de estímulos. Para além das importantíssimas sensações interiores que se podem sentir, estímulos exteriores também estão presentes, e em grande profusão. O revés da moeda é que pode ser atribuída maior importância às sensações relativas a estímulos exteriores que aos estímulos interiores, o que poderá levar a que a profundidade conceptual/mental seja escassa... e, a acrescer aos estímulos enumerados, temos a intuição. A intuição é a sensação interior que nos surge quando, decorrente de um estímulo, julgamos entrever um outro sentido ou outra sensação para além desse estímulo "aparente". Ora, pelo seu carácter interior, a intuição está muito mais potenciada numa conversa na internet que numa conversa cara-a-cara, pelos motivos já apresentados.
Esta reflexão que fiz há pouco fez-me perceber uma coisa: a razão pela qual me sinto cansado após ter uma conversa com uma pessoa (cara a cara). É que a profusão de estímulos exteriores e interiores é tão grande, e mais ainda se fizermos uso da nossa intuição, que, se quisermos compreender alguém na sua globalidade, temos de afinar a nossa percepção e o nosso entendimento/razão até um nível muito elevado - que nos permita receber, processar e responder aos estímulos que até nós nos chegam. E todos nós sabemos como a nossa concentração é limitada... talvez seja por isso que é tão difícil compreender os outros - e não é para admirar que esta tarefa nos extenue...
o que é uma conversação na internet? duas pessoas que se encontram, conhecendo-se previamente ou não, e que começam a conversar. Isto é, temos duas pessoas que estabelecem contacto através dum meio que priveligia a escrita, que é o veículo de comunicação utilizado. Analisemos qual a natureza das interacções que se estabelecem entre estas duas pessoas.
Tanto quanto sabemos, possuímos sentidos, que identificamos como sendo cinco. Estes sentidos estão relacionados com o nosso corpo físico, e as zonas que nos permitem sentir algo estão relacionadas com receptores nervosos em conexão com o nosso encéfalo. Paladar, tacto, olfacto, audição e visão. Numa conversação na internet qual ou quais destes sentidos são prevalentes? Bem, se pensarmos bem, depressa chegamos a uma conclusão impressionante: nenhum deles! Nenhum dos sentidos é utilizado em toda a sua plenitude - na verdade, normalmente, apenas a visão é que pode estar a ser estimulada. Mas os estímulos que a nossa visão recebe a partir de uma conversa na internet são de qualidade muito inferior aos estímulos que esta recebe quando estamos a falar com alguém ao vivo e a cores. Ou seja, no que toca às interacções que se estabelecem entre as duas pessoas na conversa, a visão apenas é útil na medida em que nos permite saber quais foram as palavras utilizadas pela outra pessoa para se exprimir. Casos há em que se pode ouvir, é certo, bem como ver, de facto, a pessoa com quem se fala, mas esses elementos já escapam a esta linha de raciocínio, pois aproximam a conversação na internet a uma conversação real. Analisemos então as características de uma conversação na internet em que apenas a visão é estimulada pelas palavras que são escritas pela outra pessoa.
Se é apenas a visão que está a ser mais utilizada numa conversação na internet, então devemos concluir que as interacções estabelecidas são de muito menor riqueza, relativamente àquelas que poderiam advir dos outros sentidos. Mas será que isto impede a criação de fortes e intensos laços interpessoais? Penso que não, senão vejamos...
visto que são as palavras o meio de comunicação por excelência numa conversação na internet, e que a estas estão associadas representações mentais/intelectuais, ideias e conceitos, então o plano em que uma conversa decorre poder-se-á designar mental ou conceptual. Estamos, portanto, a admitir a existência de um outro "sentido" humano: uma dimensão mental/conceptual (caso contrário não seria possível percepcionar aquilo que é inscrito em palavras). E visto que esta é a dimensão mais trabalhada do discurso, ele move-se no terreno da denotação e conotação que estão associadas às palavras que empregamos ao comunicarmos. Ora, o único exemplo que me ocorre de uma comunicação deste tipo (em tempo real, claro) é um diálogo de Platão, que se move precisamente no mesmo plano mental/intelectual. Se, de facto, a conversa é baseada em palavras/conceitos (excluem-se aqui as "pseudo-conversas") que possuem significado, então grande é a semelhança (conceptual) entre um diálogo de Platão, filosófico e que usa de conceitos, com uma conversação deste tipo.
Mas nós também somos capazes de identificar que aquilo que sentimos não reside apenas nos cinco sentidos que foram referidos. Também somos capazes de identificar sentimentos (sentires ou sensações) que surgem no interior de nós próprios (e que apesar de poderem surgir como resultado de estímulos exteriores, é ainda certo que podem surgir como resultado de outros estímulos interiores - a reflexão acerca de um conceito). Estes chamados estados de espírito caracterizam-nos, e, de acordo com o que temos consciência deles, são extremamente mutáveis e múltiplos. Assim, é fácil perceber que, para além das sensações provenientes dos cinco sentidos, existem outras sensações nascidas dentro de nós e que podem ser resultado de uma interacção comunicante entre duas pessoas.
Mas voltando ao tema inicial, qual a diferença entre interacções interpessoais estabelecidas ao vivo e pela internet? Ora, ao vivo, para além das sensações que nos são interiores, também temos consciência das sensações que nos chegam por via dos cinco sentidos apresentados. No caso de uma conversa na internet, as sensações que chegam pelos cinco sentidos que tanto utilizamos são de qualidade e quantidade inferior, pelo que, mais prevalentes que estas, as sensações interiores dominam. Sendo as sensações interiores, por natureza, mais subtis, subjectivas, intuitivas e mentais, então é possível concluir que a qualidade das interacções que se estabelece é de ordem mais pessoal, mental e conceptual. Dando-se prevalência ao interior, está-se liberto da capa de aparência que nos reveste exteriormente, potenciando-se o estabelecimento de interacções muito mais pessoais. E, por esta razão, sendo o intelecto de alguém que está mais exposto, apenas se pode apontar como superior uma conversa na internet relativamente a qualquer outra conversa no que toca ao nível das sensações interiores aos sujeitos.
Mas se assim o é, certo é também que uma conversa cara-a-cara é muito mais rica, em termos da globalidade de sensações que se podem ter a partir de estímulos. Para além das importantíssimas sensações interiores que se podem sentir, estímulos exteriores também estão presentes, e em grande profusão. O revés da moeda é que pode ser atribuída maior importância às sensações relativas a estímulos exteriores que aos estímulos interiores, o que poderá levar a que a profundidade conceptual/mental seja escassa... e, a acrescer aos estímulos enumerados, temos a intuição. A intuição é a sensação interior que nos surge quando, decorrente de um estímulo, julgamos entrever um outro sentido ou outra sensação para além desse estímulo "aparente". Ora, pelo seu carácter interior, a intuição está muito mais potenciada numa conversa na internet que numa conversa cara-a-cara, pelos motivos já apresentados.
Esta reflexão que fiz há pouco fez-me perceber uma coisa: a razão pela qual me sinto cansado após ter uma conversa com uma pessoa (cara a cara). É que a profusão de estímulos exteriores e interiores é tão grande, e mais ainda se fizermos uso da nossa intuição, que, se quisermos compreender alguém na sua globalidade, temos de afinar a nossa percepção e o nosso entendimento/razão até um nível muito elevado - que nos permita receber, processar e responder aos estímulos que até nós nos chegam. E todos nós sabemos como a nossa concentração é limitada... talvez seja por isso que é tão difícil compreender os outros - e não é para admirar que esta tarefa nos extenue...
2 Comments:
Se não me percebo a mim mesmo, como poderei perceber os outros? ;)
Grande verdade essa! E que faz todo o sentido... Então se nós não conseguimos interpretar as sensações que nos chegam do interior de nós, e que nos são inerentes, como é que podemos sequer aspirar a conhecer/interpretar as sensações que provêm do exterior de nós? (é uma observação digna de Sócrates ;). Bem, numa ideia que adiantei no post anterior, creio que não podemos ter a certeza de nada, visto que não é possível encontrar provas 100% verdadeiras acerca da existência ou substância de alguma coisa. Isso aplica-se, claro, também a nós próprios (seremos nós reais?) e a todas as nossas sensações (quer provenham de estímulos interiores ou exteriores). Então devemos concluir que mais vale não fazer nada? Não me parece que a resposta esteja aí. Ainda que nós saibamos que nada sabemos, podemos sempre procurar. Na verdade, a vida não é mais que uma procura. Às vezes podemos achar que estamos perto de saber aquilo que os outros são, outras vezes que estamos longe... mas a única coisa que nos resta é mesmo a procura. Seja como for, nunca podemos ter a certeza absoluta de uma resposta fidedigna a essa pergunta...
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